A programação deste novo ciclo tem como ponto de partida o motivo fitomórfico que coroa o nicho da Capela da Boa Viagem e que surge, a par de dois conjuntos de maçãs e romãs, enquanto transmutação de um dos mais densos, transversais e estáveis significados para aludir à perpétua regeneração do cosmos.
A Árvore da Vida, a Árvore do Mundo ou a Planta Cósmica Primordial é uma energia arquetípica que tendeu a migrar através das formas e a manifestar-se como detentora de “uma vida subterrânea, permanentemente atuante e eficaz nas diferentes épocas e ambientes da civilização humana”(2). Mas qual é a real pertinência desta energia para a produção de imagens e das suas narrativas, da história e das suas ficções, nas sociedades atuais?
“Figura axial” incorpora substrato nestas diversas invocações cujo propósito é o de refletir sobre a criação a partir do universo das plantas, para derivar numa crescente conscientização acerca da sustentabilidade dos sistemas de produção e de consumo, fulcrais para minimizar os riscos ecológicos, sociais e económicos que abalam progressivamente as estruturas das sociedades contemporâneas. Para o concretizar, tende-se a olhar para a mais elementar das matérias, aquela de onde tudo brota: o solo e as suas múltiplas formas de vida. Nesse movimento tentaremos delinear uma outra “noção de território de envolvência e de comunidade”(2).
AS RAÍZES
Apesar de não se encontrarem representadas no espaço da capela, deixam-se desde logo adivinhar pela posição elevada em que a oliveira é ali representada. Esta sua posição, próxima do céu, rodeada por querubins alados, convoca-nos inversamente para o baixo, para o lugar da terra, e coloca-nos inadvertidamente no centro do seu sistema radicular; transformando-nos em agentes da sua rizosfera, implicando a nossa condição e dando-nos a entender que “as raízes fazem do solo e do mundo subterrâneo em espaço de comunicação espiritual.” (3)
É sobre estas as raízes que este ciclo pretende especular. É nesse subsolo de onde tudo brota, periodicamente, que é urgente olhar, cuidar, ressignificar. É nesse espaço de transmissão entre diferentes ordens e espécies que se opera a criação
de sinergias, simbioses, de uma rede para uma outra comunidade.
É preciso voltar à relação com a terra.
Poderá a simbiose ser outro nome para referir-se à criação?
SIMBIOSES
Simbiose é um termo que deriva do grego e refere se ao ato de “viver em conjunto”. É aplicado comummente na biologia molecular para fazer referência a uma associação benéfica entre dois seres vivos, de diferentes espécies, na qual os indivíduos dependem mutuamente para sobreviver. Aqui chegados, interessa pensar nestes processos de mutualismo, sobretudo naqueles estabelecidos por fungos e sistemas radiculares encontrados em 80% nas famílias de plantas vasculares, para testar um modelo de ocupação de espaço que possa derivar de uma rede que coloca em relação artistas e pensadores, estruturas e organizações culturais, a atuar no contexto regional, nacional e internacional.
Este modelo, servirá para propor alternâncias e transformar este espaço cultural, tão importante na cidade, como um organismo vivo que tende a reagir ao seu entorno e a estabelecer relações benéficas no seu ambiente, concretizando, assim, a sua vocação enquanto Núcleo Difusor de Arte e Cultura Contemporânea.
Importa salvaguardar no que até aqui foi assinalado, esses dois planos que coincidem e se sobrepõem: o primeiro plano, o da “vida das formas”, trata da migração dos símbolos e da tendência da sua transferência num plano “subterrâneo”, subliminar, ao longo das épocas; o segundo, trata da “vida das plantas” e de todos os seres vivos que conectam os diferentes biótipos do solo e que graças aos avanços da ciência, da tecnologia, mas também da filosofia, conseguimos agora alcançar e que importa considerar para reajustar a nossa relação com o que ainda resta dessa natureza. Na combinação destes dois planos, reside a possibilidade de uma outra cosmogonia onde não é mais possível separar o valor da cultura do valor da natureza, do valor da estética do valor da ética.
Hélder Folgado
(1) — Foncillon, Henri; “A Vida Das Formas. Seguido de Elogio Da Mão”. Edições 70,
2001.
(2) — Gil, José. Caos e Ritmo. Relógio d 'Água. 2018
(3) — Coccia, Emanuele; “A Vida das Plantas. Uma Metafísica da Mistura”. Sistema